Toponímia dos Campos Gerais O

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 s nomes atribuídos aos acidentes físicos como rios, arroios, serras, morros, saltos, cachoeiras, e aos produzidos pela atividade humana como vilas, povoados, fazendas, cidades, revelam aspectos significativos relacionados à história, à natureza e ao modo de vida da população dos Campos Gerais em diferentes momentos. Os nomes mais antigos, os que aparecem nos primeiros registros documentais, têm origem indígena. Grande parte das etnias indígenas que habitavam o Paraná falava línguas pertencentes ao tronco Tupi, e daí provêm os nomes de rios como Tibagi, Iapó, Pitangui, Piraí, Jaguariaíva, Capivari, Caniú, Cunhaporanga, Morungava e muitos outros.

     Os nomes indígenas destacam as características próprias daquilo que é denominado, sua qualidade marcante, ou algum aspecto especial da planta, do fruto, do animal, do rio ou da montanha que designa. “Vorá”, por exemplo, nome de rio e de antiga fazenda, nomeia uma abelha da família dos meliponídeos, preta com desenhos amarelos, que faz ninho nos troncos ocos e ao rés do chão; designa também o própolis, massa amarela que se encontra dentro das colmeias. “Tucunduva” designa a palmeira do tucum, que produz coquinhos com amêndoas e larvas de besouros comestíveis, e possui fibras resistentes para se fazer corda. “Taquara”, bambu da família das gramíneas, matéria-prima utilizada na fabricação de peneiras e de cestos para guardar cereais e transportar cargas, aparece em diferentes situações: rio Taquara, rio do Taquaral (Castro), arroio Taquara (Palmeira), arroio Taquaruçu (Castro), Ribeirão Taquaruçu (Arapoti), serra da Taquara (Castro e Tibagi). “Itaiacoca” é considerada uma variante de “taiacoca”, roça ou plantação de taiás ou taioba, herbácea da família das aráceas, cujas folhas são comestíveis. A palavra “cambiju” (“kamby” = leite e “ju” = amarelo), que nomeia uma das mais antigas fazendas de Ponta Grossa, proveniente de sesmaria obtida por Domingos Teixeira de Azevedo em 1713, era grafada originariamente “cahabaju”. No dialeto mbyá- guarani existe a palavra “kavaju”, que designa o cavalo. Do mesmo dialeto procede “Carambeí”, que dá nome a um afluente do rio Pitangui e à região que formou o atual município, e significa “rio da tartaruga”.

     A influência portuguesa na toponímia dos Campos Gerais aparece em nomes de santos, como Nossa Senhora da Conceição, São Domingos, São João, São Bento, nomes de antigas "paragens", citados já nos títulos de sesmarias do século XVIII, e também em nomes de rios e córregos, como Santo Amaro e São Lourenço, entre outros.

     Amparo, nome de uma localidade no município de Tibagi, pode ter-se originado de Nossa Senhora do Amparo, mas tem sido comumente atribuído ao costume característico da região, de dar acolhimento aos tropeiros que chegavam das longas jornadas e sempre encontravam comida e rancho para o pernoite. O córrego e povoado denominado Aparição sugere uma manifestação sobrenatural, aparecimento súbito de um ser, espectro ou fantasma. Mas também se considera ter havido uma alteração do termo Parição, nome dado ao local onde as éguas eram levadas para parir.

     Para o Capão da Cilada, topônimo que aparece em mapas muito antigos, no trajeto entre Piraí e Castro, não se encontrou registro da motivação de origem. Os campos abertos não permitiam emboscadas, pois a vista alcançava quilômetros de distância, mas um “capão”, porção de mata isolada no meio do campo (do tupi “caa” = mato e “puó” ou “puan” = redondo), podia servir de esconderijo para um ataque repentino, um acerto de contas.

     Já o topônimo Ingrata, que nomeia arroio e fazenda em Tibagi, sugere a ocorrência de caso com mulher mal-agradecida, que esqueceu os benefícios recebidos, ou que não correspondeu à dedicação de outra pessoa. Ingrata poderia ser, como se conta atualmente, uma moça que não esperou o retorno de um apaixonado tropeiro, comprometendo-se com outro.  Poderia também ser o caso de uma escrava que não respeitou as condições impostas para obter a carta de liberdade. Não era incomum, nos Campos Gerais, um escravo ser alforriado com a condição de servir seu senhor até a morte deste, ficando realmente liberto só após o fechamento do inventário. Mas a carta de liberdade poderia ser anulada, se fosse por motivo de ingratidão, conforme estava previsto no título 13 do livro 4º das Ordenações Filipinas do século XVII. Considerava-se ingrato o escravo que ferisse ou tentasse ferir seu senhor, ou lhe proferisse injúrias verbais, ou o prejudicasse em sua fazenda. Alguns casos assim foram descritos em inventários e testamentos. No campo das suposições, Ingrata também pode ser uma derivação de Engrácia, nome de Santa muito cultuada em Portugal.

     As características naturais são destaques na toponímia dos Campos Gerais, principalmente dos cursos fluviais. Por exemplo, Roncador faz referência a uma grande ressonância, ruído (ronco) produzido por grande corrente de água ou rio volumoso; Cavernas a uma escavação profunda num rochedo, montanha ou debaixo da terra; e Socavão é aumentativo de socava, cavidade subterrânea, abrigo, lapa, gruta, furna, lugar retirado, ermo. Puga, vocábulo atualmente em desuso, designava um corpo delgado e rígido terminado em ponta, como espinho, no sentido toponímico de pico, agulha, possivelmente associado a uma feição geomorfológica. O topônimo Puga é encontrado em algumas regiões da Espanha. O termo Benfica, geralmente associado ao topônimo Guartelá, em que o morador deste sítio aconselha, em vista de ataque de índios: “guarda-te lá que cá bem fico”, e que dá nome a arroio, bairro e colônia do município de Palmeira, é também encontrado como topônimo em Portugal, nomeando Benfica, antiga freguesia de Lisboa.

     A criação de gado e o tropeirismo renderam inúmeros topônimos referentes a essas atividades. Arrieiros (arrieiro é o indivíduo que guia animais de carga); Curral e Curralinho (lugar onde se junta e recolhe gado); Invernada (designação de pastagens cercadas destinadas a manter o gado, durante certo período, repousando e se recuperando das longas viagens). Aparece também com a forma derivada o arroio Invernadinha; Ronda (inspeção feita a um determinado local em que o gado está reunido); Ferrador (indivíduo cuja principal ocupação consiste em colocar ferraduras nos animais); Lambedor (terreno salgado e alagadiço, aonde os animais vão lamber a terra, sequiosos por sal); Pouso (lugar onde os tropeiros em viagens pernoitam); Rincão (porção de campo cercado naturalmente por mato ou acidentes naturais para onde se levam os animais para pastarem em segurança), que aparece em forma composta como Rincão dos Buracos (Palmeira), Rincão do Meio (Tibagi), Rincão da Cigana e Rincão da Tapera (Castro), Rincão do Potreiro (Ponta Grossa), Rincão da Serra (Jaguariaíva). Numa região tão recortada por rios e arroios era fundamental encontrar os lugares de passagem, possíveis de atravessar a pé ou a cavalo. Daí os lugares cujos nomes são formados pelo vocábulo Passo, sempre de forma composta, como Passo dos Touros em Piraí do Sul, Passo do Pupo (Ponta Grossa), Passo do Pugas (Palmeira), Passo da Samambaia (Castro), Rio Passo do Barro (Piraí do Sul), Ribeirão do Passo Liso (Carambeí).

     Outros termos associados à criação de gado e demais trabalhos de fazenda denominam arroios e morros, como “cocho” (espécie de vasilha, em geral feita com um tronco de madeira escavada, onde se põe água ou comida para o gado), “monjolo” (engenho tosco, movido a água, usado para pilhar milho), “cangalha” (armação de madeira colocada no lombo das mulas ou outro animal, para sustentar e equilibrar o peso da carga, de um lado e de outro), com sua variação “quebra-cangalha”. E ainda “cercado”, “cancela”, “estiva”, “porteira”, “piquete”, “tabuão” etc.

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